quinta-feira, junho 16, 2011

Dominó

Acho que eu tinha uns cinco anos. Enquanto São Paulo fervilhava de carros na rua, eu mexia na gaveta na estante da sala procurando por um caixinha azul. Me assustava se não a encontrava na primeira gaveta a direita, pensava terem colocado ela fora, já que estava bastante empoeirada e velha.
Achei, sentei no chão, arrumei o tapete, e chamava minha avó. Queria brincar de dominó. Sete peças pra cada um, e na falta de possibilidade compre outra pra encaixar na que já está ali. Chegava a pular de alegria quando ganhava o numero seis, pois era quem começava. Começar e terminar primeiro me fazia pedir – vovó joga de novo comigo. Se perdesse já de cara a peça seis, durante o jogo inteiro não tinha esperança e nem me esforçava para ganhar e encontrava outra coisa para me distrair.
Durantes alguns anos que fui a casa dos meus avós brinquei de dominó, e hoje presumo que também iria mexer na primeira gaveta da direita a procura de uma caixinha azul.
Pensando hoje nessas lembranças, e de como eu gostava tanto de dominó vi que se pode pensar, ou se comparar que a vida é um jogo. Mas o jogo de dominó não tem semelhança alguma com a vida, mas sim, outra diversão atribuída às peças de dominó.
Você constrói uma vida. Você acorda, levanta, faz o seu café e vai estudar. E você chega em algum lugar. É linear. Você mora com os pais, estuda, entra em uma faculdade, trabalha, tem sua própria vida, casa, tem filhos. Você monta isso, você colocou cada momento da sua vida um atrás do outro, cuidando que o plano posterior não derrube o anterior e vice-versa.
Mas alguém vai lá e da um empurrãozinho da sua primeira trajetória, e uma começa a cair atrás da outra. E você tem sorte se esse empurrão for no começo, como não conseguir passar na faculdade, bom, monte a primeira peça novamente, estude, e passe.
Mas o mais legal não é isso, as pessoas gostam de ver as coisas se desmoronando em curvas, o efeito é mais bonito, e quando mais momentos tiverem, melhor ainda. Você estuda, e passa, e ai você desiste da sua faculdade, estuda de novo e passa. Você conhece alguém lá e se apaixona, e o relacionamento termina, você encontra alguém melhor. Você se forma e é contratado por uma empresa de um amigo e você é despedido, você é contratado por uma empresa de um desconhecido que olha suas qualificações e fica impressionado com o seu currículo. Você se casa com aquela pessoa, e não consegue ter filhos, você os adota.
Percebe que não foram derrotas, foram curvas, caminhos, decisões que você teve que tomar para chegar aonde queria. E você consegue. Você chega lá. Você montou sua vida como queria, cheia de curvas, cheia de momentos. E tudo é tão perfeito, as pessoas falam como sua vida é milimetricamente planejada, e você sustenta aquilo.
Mas um dia, você muda, você envelhece, e infelizmente meu amigo, você morre. Sim, não se apavore com minha falta de eufemismo. Só que pense, suas peças de dominó não cairão por isso, porque você é a última peça, e se ela cair para trás, não prejudicará todo o caminho que você traçou.
Nesse caminho existem pessoas, sua família, seus amigos. Se eles manterem as peças intocáveis elas não cairão, eles só tem que colocar mais algumas lá no final da trajetória.
Mas, como eu disse, quanto mais curvas e maior for as peças de um dominó colocadas milimetricamente em cima de uma mesa, mais vontade dá de apenas dar uma encostadinha na primeira peça.

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